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fina camada

7 de setembro de 2022


mi psiquiatra nove me perguntou se eu tinha dificuldade de identificar meus sentimentos. eu quase respondi “não sei dizer” antes de lembrar que ah, é, tenho sim. (aquele tuite que diz i’m not sure how i feel about alexithymia.)

outro dia minha terapeuta quis saber como eu tinha reagido às notícias das mudanças que vão rolar ao meu redor nos próximos meses. percebi que até então eu só as tinha registrado como informações, “ok, é isso, vai ser punk”, mas ainda não tinha chegado em nenhum sentimento claro sobre elas.

isso é bastante comum na minha vida. quando eu tinha entre 11 e 13 anos, no fundamental II, minhas amizades viviam dizendo que eu era muito reservade, que nunca compartilhava coisas minhas e como eu me sentia. nessa época eu era como o mastro onde elas se apoiavam, já que todas tinham obstáculos até bem sérios com a própria saúde mental. (estranho ter originalmente escrito isso no tumblr, onde essas pessoas habitavam e de onde saiu muito do que as machucou.) eu as ouvia, aconselhava, lembrava do importante, tentava manter seus pés no chão. é claro que me chamava a atenção eu ser esse ponto sólido no meio de tanta coisa, mas não via consequências disso em mim nem me afetava significativamente. me preocupava com minhas amizades e sentia por elas, mas de mim não vinha nada grande.

acho que mais comum do que não reagir às coisas é eu sentir uma ansiedade e incômodo gerais e não saber apontar de onde vêm, não conseguir dar um nome ao sentimento as provocando. minha terapeuta chamou a atenção pro meu histórico de reações atrasadas como algo a se investigar, o porquê de “eu não (me permitir) acessar meus sentimentos sobre as coisas”, conectando às questões que sempre surgem na análise. mas recentemente comecei a me perguntar se não tem algo anterior a isso, que diz respeito a um funcionamento mais básico, que não passa necessariamente por um inconsciente que é “senhor da minha casa”.

ontem recebi uma proposta que lançou um raio no meu corpo e me deixou pensative. tava de bom humor e parecia algo possível, positivo, interessante. cheguei em casa e fiz uma lista de prós e contras, conversei com minha mãe. aceitei e pronto, arquivei da mente pra poupar espaço e colheres. hoje ao acordar eu não tinha nem metade da disposição do dia anterior. conforme ia chegando perto da hora combinada pro compromisso foi crescendo uma agonia no peito. fui falar com uma amizade sobre a proposta e refiz a lista de questões envolvidas, repassei pensamentos recorrentes no close friends do twitter, mandei mensagem pra terapeuta. eu já sabia que a balança não tava equilibrada mas só então percebi que, se eu tava fazendo tudo isso, é porque já tinha feito uma decisão. tive medo de comunicar isso mas não tinha escolha, era óbvio que eu não me sentia capaz de assumir algo do tipo. e depois de cancelar me senti mais leve, até me diverti com uma epifania da minha mãe sobre outra incerteza/insegurança frequentando nossas mentes. percebi que entendi o que tava sentindo antes depois de mudar algo e me sentir claramente melhor. entender o incômodo só na comparação com o satisfeito. me parece algo familiar.

essu psiquiatra disse que é pertinente levantar a hipótese de que sou autista. é do meu entendimento do autismo que eu tenho me feito questionamentos mesmo. falei isso pra terapeuta naquele dia e ela não acha que eu esteja no espectro, considerando nosso trajeto juntes. eu não acho que ela sabe sobre autismo tanto quanto eu, muito menos que ela conhece tantas pessoas autistas quanto eu. mesma coisa as amizades que franziram as sobrancelhas quando comentei como meu aprendizado sobre o autismo vinha me ajudando a navegar melhor o mundo.

sempre me interessei em conhecer transtornos, deficiências, condições atípicas que pessoas experienciam no geral. sempre quis aprender, entender, compartilhar o que sabia quando algume conhecide dizia algo equivocado ou tocava no assunto. isso sempre me nutriu muito e continua sendo extremamente importante pra mim. sempre soube que não era neurotípique, mesmo lá na época das amizades do fundamental II. eu não vivia a depressão que me acompanha desde quando tinha uns 15 anos, mas já tinha certeza de que não era igual às pessoas que conhecia. na infância eu tinha pouquíssimas amizades, não ligava em não ter companhia, gostava muito da escola, lia demais. nunca me senti verdadeiramente entendide e enxergade. poucas vezes senti que pertencia.

eu já vinha pensando que talvez eu seja autista, mas justamente por saber tanto sobre questões de saúde mental não me sentia confortável em afirmar nenhuma condição como minha. nem mesmo depressão, que é bem mais óbvio que tenho, nem ansiedade. não consigo me autodiagnosticar porque sinto como se eu fosse ume impostore, como se eu estivesse arrumando um jeito de fazer parte de algo, ou até me vitimizando. mas me dá muita angústia que minha terapeuta e meu psiquiatra anterior não usem “rótulos” nem gostem de dar nome às coisas. eu sou um ser de linguagem. um amigo que tá no processo de obter laudo disse que me acha muito autista. outras pessoas que conheço e não têm diagnóstico nem se afirmam nada me parecem autistas também. me identifico com tantas outras. fico tão mais à vontade nesse espaço. então ouvir de ume profissional que é possível que eu seja autista foi bastante reconfortante.

esse texto não tem um final. tudo isso é um processo que leva tempo e cuidado. ainda estou absorvendo as coisas, observando também. mas escrever é algo que quero levar comigo nisso. não vou dar conta de fazer um digital garden bonitinho tão cedo, então this must be the place. (eu achava que maria catharina tinha usado essa frase mas é de outro blog que eu seguia. tem a cara dela. e é tão bonita.)


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